Diretor do CBCS, professor Vanderley John palestra em fórum da ONU e destaca o Sidac como ferramenta estratégica para o desenvolvimento sustentável no Sul Global

As urgências e especificidades do Sul Global foram destaque na apresentação de Vanderley John, conselheiro e diretor do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), no STI Fórum 2025, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) de 6 a 8 de maio na sua sede de Nova York (EUA).

Professor doutor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Vanderley integrou o evento especial do 10-Member-Group – grupo de dez representantes de alto nível da sociedade civil, setor privado e comunidade científica que assessoram o Secretário-Geral da ONU nas áreas da ciência, tecnologia e inovação voltadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), do qual o brasileiro Carlos Henrique de Brito Cruz, ex-diretor científico da Fapesp e atual Vice-Presidente Sênior de Redes de Pesquisa da Elsevier, em Oxford, é copresidente. Esta 10ª edição do Fórum teve, como tema, “Promover soluções e inovações científicas e tecnológicas sustentáveis, inclusivas e baseadas em evidências para a Agenda 2030 e seus ODS, para não deixar ninguém para trás”.

Durante a sua apresentação, o professor John destacou a urgência de colocar a habitação no centro dos debates sobre desenvolvimento sustentável, algo ainda negligenciado nas metas globais dos ODS. “A construção e a moradia impactam diversos ODS, mas não estão no foco central de nenhum deles”, afirmou. Ele chamou a atenção para o fato de que um quarto da população mundial vive em moradias precárias, inclusive em países desenvolvidos, como se observa com a crise dos homeless nos Estados Unidos. “Não podemos avançar em sustentabilidade sem enfrentar e resolver o problema da habitação”, frisou.

 

Na foto, no evento especial do 10-Member-Group no STI Forum 2025, prof. Dr. Vanderley John (E), com Karen Scrivener, Professora do Laboratório de Materiais de Construção da EPFL (Ecole Polytechnique Fédérale) de Lausanne, na Suíça, Dra. Rue Munemo, também da EPFL, e Keywan Riahi, diretor do Programa de Energia, Clima e Meio Ambiente do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados da Áustria.


A realidade do Sul Global: orçamento limitado, desafios específicos

Com base em dados econômicos e sociais, o professor ponderou que o debate internacional, mesmo os baseados nos guias da UN-Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos), são inspirados e orientados pelas agendas do Hemisfério Norte, com soluções que não são replicáveis no Sul Global. Ele argumentou sobre as três principais diferenças entre as regiões: poder aquisitivo, desafios climáticos e orçamento público.  

“A cada ano, a renda média per capita da comunidade europeia é entre 5 e 13 vezes maior do que a dos países do Sul Global, e isso tem acontecido nos últimos 200 anos. Então, as soluções de construção sustentável que eles desenvolvem refletem essa abundância. E essa é a primeira diferença: nós somos pobres”, reforçou. Outra diferença entre as regiões está na agenda ambiental, associada ao clima e aos hábitos de consumo. Enquanto a agenda de sustentabilidade na Europa é muito influenciada pela emissão de CO associada ao consumo energético para o aquecimento das residências – na Alemanha chega a 60% do total -, essa pauta é pouco importante nos países tropicais, como o Brasil e o Marrocos,  onde não precisa aquecimento e a maior fonte de CO₂ residencial passa ser a cozinha. “Por isso, as soluções precisam ser contextualizadas”, reforça. 

A terceira diferença destacada por Vanderley foi a questão institucional. “O Estado Nacional é um Estado fraco, considerando que a metade da nossa economia é informal. Então, não adianta imaginar soluções ancoradas no Estado e impostas à sociedade. Isso não funciona em países em desenvolvimento”, frisou, destacando a importância do desenvolvimento de soluções engajadoras. 

Neste sentido, o resultado do painel propôs a criação  de uma rede de cooperação tecnológica entre países do Sul Global, apoiada pela ONU, voltada ao desenvolvimento de soluções escaláveis, acessíveis e adequadas à realidade econômica e climática desses países. “O Sul precisa desenvolver tecnologias que funcionam no Sul, e não tentar adaptar tecnologias caras e irrelevantes ao nosso contexto”, reforçou.

 

SIDAC: inovação acessível para uma construção sustentável

Como exemplo de tecnologia adequada ao contexto local e engajadora, o professor Vanderley apresentou o Sidac (Sistema de Informação do Desempenho Ambiental da Construção), desenvolvido pelo CBCS em acordo de cooperação técnica com o Ministério de Minas e Energia (MME), que coordena a iniciativa, e financiamento da Comunidade Europeia e GIZ. A ferramenta foi apresentada como um modelo acessível e democrático para avaliação de emissões de CO₂ e consumo de energia de insumos e de produtos da construção – duas das variáveis mais críticas no setor. 

A plataforma on-line, de acesso público, reúne dados ambientais sobre materiais e fabricantes, possibilitando calcular os indicadores de desempenho ambiental, do berço ao portão da fábrica, com base em dados brasileiros e nos conceitos da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV ou, em inglês, LCA) para viabilizar a redução do carbono e da energia incorporados nas edificações.

“O Sidac permite que uma empresa brasileira faça uma avaliação de desempenho ambiental a um custo 30 vezes inferior do que o de uma EPD europeia”, compara Vanderley, coordenador técnico e um dos idealizadores do Sidac, referindo-se às Environmental Product Declarations, declaração ambiental de produto, que podem custar até 15 mil dólares e exigir consultoria especializada. O sistema de informação brasileiro já é conhecido por instituições internacionais, como a UNIDO (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial), e tem sido bem recebido por especialistas por sua simplicidade e efetividade. “Nos chamaram de LCA for Dummies na Inglaterra – no bom sentido – porque o Sidac quebra a barreira do conhecimento técnico e permite fazer uma EPD sem ter que contratar um especialista em sustentabilidade, além de colocar na mão dos tomadores de decisões as informações cruciais, produzidas com critérios claros e compatíveis com as regras da ISO e do IPCC”, aponta Vanderley. 

Outro benefício importante do Sidac é o estabelecimento de padrões entre as empresas permitindo o benchmarking no setor, com transparência e credibilidade. “Se todas as empresas apresentarem os seus dados de CO baseados no Sidac, nós poderemos comparar. Afinal, se quisermos implementar uma política de descarbonização no país, todos têm que falar a mesma língua, trabalhar com a mesma métrica”, argumenta.

 

Habitação informal e vulnerabilidade climática

O desafio da construção informal foi ponto de destaque de sua fala, alertando para a necessidade de se olhar com urgência para as habitações informais, especialmente nas favelas do Sul Global, que concentram cerca de 30% da população desses países. Neste sentido, o professor apresentou outra solução inovadora em desenvolvimento em parceria com a Caixa Econômica Federal e que foi iniciado pelo hubIC, a hub de inovação mantido pela USP e  pela ABCP  – o MORE. Trata-se de uma ferramenta digital para diagnosticar rapidamente o que está sendo construído nas favelas e as condições ambientais e de conforto térmico nessas áreas informais, onde os códigos de obra das cidades e as normas técnicas sequer são conhecidos.  

A ideia é desenvolver uma ferramenta que permita identificar rapidamente as  áreas prioritárias para intervenções que permitam mitigar os riscos em eventos climáticos extremos, como ondas de calor, a baixo custo e com menor pegada de CO₂. “Pelo que se sabe, as condições de ventilação, por exemplo, são muito ruins e o ar-condicionado é algo praticamente inexistente nas favelas. Em uma onda de calor longa, o risco de mortalidade pode ser grande”, alerta. E reforça: “não é possível falar sobre sustentabilidade na construção ignorando os mais vulneráveis.” 

De acordo com o professor Vanderley, a expectativa agora é de continuidade nas discussões, com novas reuniões programadas no âmbito da ONU. Ele declarou estar otimista, ainda que consciente dos desafios burocráticos. “Foi um momento muito importante. Estamos reforçando a nossa voz e a nossa realidade no debate global sobre sustentabilidade”, afirma.

 

Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil (2023) 


Sobre o Sidac

O Sidac é um banco de dados padronizado que disponibiliza informações sobre emissões de CO₂ e consumo de energia dos principais materiais de construção utilizados no Brasil. O Sidac mede o desempenho ambiental da construção usando os princípios da Análise do Ciclo de Vida (ACV), metodologia reconhecida internacionalmente para mensuração do impacto ambiental ao longo do ciclo de vida do produto. O sistema traduz indicadores simples baseados em dados nacionais confiáveis, permitindo que profissionais e cidadãos comparem a pegada ambiental entre produtos e fabricantes e tomem melhores decisões do ponto de vista da sustentabilidade.  

O sistema foi desenvolvido pelo CBCS, sob coordenação do Ministério de Minas e Energia, e financiado pelo Instrumento de Parceria da União Europeia em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Segurança Nuclear e Defesa do Consumidor (BMUV, em alemão) com implementação pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) no âmbito do programa Strategic Partnerships for the Implementation of the Paris Agreement – SPIPA. O Sidac também conta com a parceria do Ministério das Cidades, da Empresa de Pesquisa Energética e do Procel. Órgãos públicos, entidades representativas setoriais, universidades e institutos de pesquisa integram a operação do sistema numa construção conjunta contínua. O aperfeiçoamento do sistema hoje conta com recursos do PAR-Procel do MME executado pela ENBPar. Acesse em sidac.org.br

 

Sobre o CBCS

O Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), de âmbito nacional, criada em 2007 como resultado da articulação entre lideranças empresariais, pesquisadores, consultores, profissionais atuantes e formadores de opinião.

O CBCS contribuiu para o desenvolvimento sustentável da construção civil, por meio da produção, organização e disseminação de conhecimento, propondo políticas públicas e apoiando iniciativas do setor privado. Atua em pesquisa, articulação institucional e no desenvolvimento de ferramentas inovadoras, como o Sidac.