A sustentabilidade na construção civil vai muito além de boas intenções e selos verdes. Ela exige estrutura, articulação institucional e, sobretudo, uma cadeia de suprimentos organizada, comprometida e funcional. Nesse contexto, o arranjo institucional da cadeia de suprimentos é peça-chave para garantir que os avanços em sustentabilidade, qualidade e desempenho realmente cheguem “na ponta” — no canteiro de obras, nos materiais usados, nas pequenas e grandes construtoras e, em última instância, nas edificações em que vivemos.
A engrenagem por trás da sustentabilidade
Tomando como exemplo o PBQP-H (Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat), vemos um modelo maduro e eficiente que, ao longo de quase 30 anos, vem articulando governo, setor privado e sociedade técnica em torno de metas comuns.
É comum pensarmos apenas no produto final — como a certificação de uma construtora ou o selo de qualidade de um material —, mas ignoramos o que existe por trás: grupos de trabalho tripartites, programas setoriais de qualidade, acordos técnicos e articulações interministeriais, envolvendo órgãos como o Ministério das Cidades, o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Esse arranjo é o que torna possível promover ações como a descarbonização, o uso racional de recursos, a redução de resíduos e o desempenho adequado de materiais e sistemas.
O elo entre qualidade, desempenho e meio ambiente
A qualidade técnica dos materiais tem impacto direto na sustentabilidade. Um exemplo claro é a durabilidade: um produto que não atende à norma pode até ser mais leve ou barato, mas terá menor vida útil, maior necessidade de substituição e, portanto, gerará maior impacto ambiental ao longo do ciclo de vida.
Por isso, quando se discute sustentabilidade, é impossível separar a discussão sobre desempenho e conformidade técnica. E é aí que os programas setoriais da qualidade se mostram fundamentais: eles reconhecem não apenas quem está conforme, mas também apontam e monitoram quem não está — combatendo a concorrência desleal e promovendo melhorias contínuas no setor.
Casos reais: da bacia sanitária à norma de desempenho
A evolução das bacias sanitárias é um caso emblemático. Em 1998, o Brasil estabeleceu uma meta de reduzir o consumo para cerca de 6,8 litros por descarga, após estudos detalhados em laboratório e em campo. Essa decisão técnica, fruto de pesquisa e articulação setorial, evitou problemas enfrentados por países que adotaram reduções drásticas sem base científica, como os Estados Unidos.
O resultado foi uma mudança em toda a cadeia de produção, com impactos diretos na eficiência hídrica nacional e na qualidade de vida da população — sem comprometer a performance dos sistemas hidráulicos.
Outro exemplo é a Norma de Desempenho (NBR 15575), resultado de anos de trabalho entre governo, setor técnico e empresas. Ela estabelece requisitos mínimos para conforto, segurança e durabilidade, e só se tornou viável por causa da estrutura montada no PBQP-H. Especialmente para pequenas e médias construtoras, foram criadas fichas de avaliação simplificadas (FADs), permitindo a aplicação das normas sem necessidade de ensaios laboratoriais caros.
Arquitetura institucional: a base da mudança
A principal lição é clara: não existe sustentabilidade sem uma arquitetura institucional robusta. Não basta apenas promover soluções técnicas; é preciso garantir que haja oferta de qualidade e demanda qualificada, com mecanismos legais, financeiros e técnicos para fazer a sustentabilidade acontecer na prática.
Quando se fala, por exemplo, em descarbonização, eficiência energética ou economia circular, é essa estrutura que permite transformar ideias em políticas, produtos e práticas reais — com escala, continuidade e impacto mensurável.
Conclusão: da meta à prática
A cadeia de suprimentos sustentável começa com planejamento, mas se concretiza com cooperação, regulação inteligente e responsabilização compartilhada. O caso brasileiro, por meio do PBQP-H e seus programas setoriais de qualidade, mostra que é possível criar um modelo eficiente, que dialoga com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), fortalece o mercado e beneficia a sociedade.
Mais do que nunca, é hora de fortalecer essa engrenagem. Porque a sustentabilidade de verdade se constrói com qualidade — e começa muito antes do canteiro de obras.
Por Prof. Dr. Orestes Goncalves – Presidente do Conselho Deliberativo do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) Engenheiro e Doutor em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Sócio-fundador da Tesis – Tecnologia e Qualidade de Sistema em Engenharia. Membro do CTECH – Comitê Nacional de Desenvolvimento Tecnológico da Habitação do Ministério das Cidades.
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O tema do artigo foi a base da palestra ministrada pelo Prof. Dr. Orestes Gonçalves no evento “Transparência e Sustentabilidade na Construção Civil”, que marcou o lançamento da nova versão da “Ferramenta 6 Passos – Critérios para Responsabilidade Social e Ambiental na Seleção de Fornecedores, realizado pelo CBCS no dia 11 de abril de 2025, na Feicon, em São Paulo (SP).