Conformidade Técnica e Ambiental: como assegurar desempenho e sustentabilidade nos materiais de construção

Quando pensamos em construção civil, muitas vezes relacionamos o tema diretamente com inovação, tecnologia, sustentabilidade de ponta… mas e o básico? Aquilo que deveria ser o ponto de partida? Muitas das nossas dores no setor vêm justamente do descuido com o essencial.

Esse artigo é um convite para refletirmos sobre como dar um passo atrás — ou melhor, seis passos — e olhar com atenção para os fundamentos que garantem a legalidade, qualidade e sustentabilidade dos materiais de construção. São questões que, se não forem observadas, comprometem não só o desempenho técnico das obras, mas também o meio ambiente e os direitos trabalhistas.

  1. Conformidade Fiscal: o primeiro filtro

Não estamos nem falando de conformidade ainda — é existência legal mesmo. Pode parecer chocante, mas em pleno século 21, em grandes cidades brasileiras, ainda compramos materiais extraídos ilegalmente: areia, brita, madeira… A informalidade mata a competitividade do setor e gera impactos ambientais gravíssimos.

A proposta é clara: usar a força da cadeia da construção civil para combater a ilegalidade e promover empresas comprometidas com a regularidade fiscal. Uma simples consulta ao site da Receita Federal pode verificar se uma empresa realmente existe.

  1. Licença Ambiental: operar com responsabilidade

Licença ambiental não é um capricho. É autorização para operar. E não são poucos os casos de fábricas despejando resíduos tóxicos, como os de galvanoplastia, diretamente em rios e córregos.

Há sistemas públicos que permitem consultar rapidamente se uma empresa tem licença válida –  se está licenciada, se está no protocolo ou se nem deveria estar operando. E a responsabilidade não é só da indústria. É também de quem compra e alimenta essa cadeia.

  1. Conformidade Legal Trabalhista: fim do mercado para quem explora

Mão de obra infantil e trabalho análogo à escravidão ainda existem, inclusive, no setor da construção. E não são só casos isolados — há nomes, CNPJs e listas públicas que mostram quem pratica essas violações.

A informalidade reduz artificialmente os preços. Assim, quem joga limpo acaba sendo sufocado pela concorrência desleal. O consumidor precisa entender que comprar do mais barato, nesse contexto, é financiar a ilegalidade.

  1. Conformidade Técnica: mais do que passar na norma

É aqui que entra a importância das normas técnicas — mas também da maneira como elas são cumpridas. Um produto pode até passar num teste de segurança ao fogo, por exemplo, mas não ter durabilidade. Ou seja: vira lixo mais rápido, aumenta o consumo de recursos e gera novos resíduos.

É por isso que o Corpo de Bombeiros, em parceria com especialistas, passou a exigir conformidade técnica integral dos materiais, e não apenas índices isolados como o de propagação de chamas.

  1. Consumo de Recursos e Gestão de Resíduos

Medir é poder. Unidades fabris que, começaram a medir consumo de água e energia por peça fabricada, constataram reduções significativas — só pelo fato de monitorar. Quando param de monitorar, o consumo volta a subir.

Essa consciência tem impacto direto nos custos, na competitividade e na sustentabilidade. É um trabalho setorial, que precisa ser padronizado e incentivado em escala.

  1. Transparência e Informação ao Consumidor

Muita coisa pode (e deve) ser comunicada na embalagem. Um bom exemplo é o rendimento das tintas. Antes, falava-se em “rendimento por demão”, sem informar quantas demãos eram necessárias. Hoje, a informação é clara: área coberta por lata. Resultado? Menos tinta desperdiçada, menos lata sobrando e mais dinheiro no bolso do consumidor.

O mesmo vale para resistência à corrosão, tipo de tráfego de uma fechadura ou até a opacidade de um reservatório — que evita proliferação de algas tóxicas.

Do básico à sofisticação, com responsabilidade

Tudo isso que discutimos até aqui é o básico. E,ainda assim, é constantemente descumprido. Legalidade, segurança, saúde e sustentabilidade são pontos de partida. A partir disso, podemos falar em inovação, em ESG de verdade – e não em greenwashing, a “maquiagem verde” sobre práticas pouco sustentáveis. A indústria tem um papel enorme, mas o consumidor e o comprador também têm sua parcela de responsabilidade. Quem compra, fomenta. E quem exige conformidade, ajuda a transformar. Os seis passos que apresentamos aqui são parte de uma metodologia em construção coletiva, que visa apoiar quem quer fazer certo — desde a fábrica até o canteiro de obras.

 

Por Vera Fernandes Hachich
Conselheira do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) e representante do CBCS no Grupo Técnico de Sustentabilidade do PBQP-H – Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat, da Secretaria Nacional da Habitação – Ministério das Cidades.  Engenheira Civil formada pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, é Mestre e Doutora pela mesma instituição – Departamento de Construção Civil. Diretora da TESIS – Tecnologia de Sistemas e Qualidade em Engenharia – uma empresa do grupo Intertek.

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O tema do artigo foi a base da palestra ministrada no evento “Transparência e Sustentabilidade na Construção Civil”, que marcou o lançamento da nova versão da “Ferramenta 6 Passos – Critérios para Responsabilidade Social e Ambiental na Seleção de Fornecedores, realizado pelo CBCS no dia 11 de abril de 2025, na Feicon, em São Paulo (SP).