Com a mudança climática já em curso e os desafios ambientais cada vez mais urgentes, o setor da construção no Brasil dá um passo importante: a adoção de um novo zoneamento bioclimático. Trata-se da NBR 15220-3 (2024), publicada pela ABNT, que amplia de oito para doze as zonas bioclimáticas no país, com base em dados atualizados e modelos robustos. Essa revisão fortalece a precisão técnica e contribui para metas de sustentabilidade integradas ao setor, de acordo com o prof. Roberto Lamberts, conselheiro do CBCS e supervisor do Laboratório de Eficiência Energética em Edificações da Universidade Federal de Santa Catarina (LabEEE/UFSC).
A principal motivação da revisão, segundo ele, é a defasagem dos dados climáticos utilizados até então. O aquecimento global altera médias, extremos térmicos e padrões regionais, e as bases anteriores não captavam bem essas novas dinâmicas. Lamberts aponta que já se observam temperaturas mais elevadas em muitas regiões e episódios de frio mais acentuado em outras — extremos que podem ser cada vez mais frequentes.
Para responder a isso, o novo zoneamento adota como base o modelo de reanálise ERA-5, que mapeia o mundo inteiro, permitindo interpolação em municípios com dados climáticos escassos e atribuição de zonas específicas mesmo em locais onde medições diretas são parcas. Essa estratégia amplia a granularidade do zoneamento — ou seja, a possibilidade de diferenciar municípios vizinhos — e eleva o nível de precisão para recomendações futuras.
Lamberts foi coordenador do Grupo de Trabalho Zoneamento criado pela ABNT para contribuir na revisão da norma. O GT realizou reuniões mensais entre agosto de 2021 e março de 2023 com o objetivo de estabelecer um novo zoneamento baseado nos indicadores da NBR 15575 que funcionasse também para edificações não residenciais. Ele apresentou o panorama técnico no XVIII Encontro Nacional de Conforto no Ambiente Construído (ENCAC)/ XIV Encontro Latino-Americano de Conforto no Ambiente Construído (ELACAC), realizado de 1 a 4 de setembro no campus São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). No evento, ele enfatizou que:
- o zoneamento revisado contempla variáveis climáticas adicionais como radiação solar, umidade e ventos , para permitir critérios mais sofisticados de ajuste das soluções de projeto.
- em função dessa complexidade, recomenda-se que o zoneamento seja visto não como uma “receita fixa”, mas como base para adaptação local e aplicação de simulações com software para cada tipologia de edificação.
Esses pontos reforçam que o novo zoneamento não é apenas um rearranjo zonal, mas um instrumento pensado para integração com outras camadas de análise — climatológica, urbana e de uso.

Aplicações práticas
Lamberts acrescenta que o zoneamento bioclimático revisado será referência em diversas normas técnicas:
- NBR 15575, a norma de desempenho para edificações residenciais, utiliza a divisão climática para estabelecer exigências térmicas de envoltória. A norma equivalente para edificações comerciais (em desenvolvimento) já está sendo desenhada considerando as 12 zonas do novo zoneamento.
- Os sistemas de etiquetagem energética de edifícios residenciais e comerciais devem incorporar o novo zoneamento para calibrar os parâmetros de eficiência adaptados à região climática.
Segundo ele, embora o zoneamento em si não se torne lei municipal automaticamente, sua influência é indireta — por meio do uso obrigatório ou orientado das normas técnicas nas legislações e códigos de obras municipais. “Dessa forma, a nova versão do zoneamento acaba refletindo nos parâmetros que construtoras e projetistas devem seguir localmente”, complementa.
Limites e desafios
O conselheiro do CBCS ressalta que, na revisão, foram suprimidas as recomendações bioclimáticas genéricas que constavam em versões anteriores. Isso se deve ao fato de que, para tipologias construtivas distintas, recomendações muito amplas podem causar confusão normativa — por exemplo, escolher entre a diretriz bioclimática ou o critério da norma 15575.
Ele salienta também que tipologias como residências unifamiliares, edifícios altos, centros urbanos com efeito de ilha de calor ou prédios comerciais demandam orientações específicas diferentes. Em edificações com altas cargas internas, como data centers ou call centers, a envoltória acaba tendo pouca influência no consumo de energia do prédio, o que exige abordagens customizadas. “E com métricas de simulação e análise das diferentes tipologias para alcançar recomendações mais factíveis e importantes de serem levadas para o mercado, do que recomendações muito simplistas”, diz. O zoneamento, portanto, é um ponto de partida. “Recomenda-se que ele seja complementado por simulações térmicas, modelagens computacionais, análise de carga e especificidades locais”, enfatiza.
Na apresentação feita no ENCAC/ELACAC 2025, Lamberts também destacou a proposta que, nos casos em que se disponha de dados climáticos locais — medições regionais de radiação, ventos ou microclima urbano — essas informações devem ajustar ou “afinar” os indicadores do zoneamento em cada projeto concreto.
Descarbonização e sustentabilidade
O professor considera que o novo zoneamento bioclimático é uma peça estratégica para conectar o setor da construção às metas de descarbonização e sustentabilidade. “Ao definir zonas climáticas mais finas e precisas, permite-se desenhar recomendações específicas para cada município e para diferentes tipologias de edifício, o que aumenta a eficiência energética e reduz as emissões”, explica.
Além disso, a compatibilidade do zoneamento com mapeamentos climáticos abre caminho para que o planejamento urbano, políticas públicas e iniciativas privadas conversem melhor entre si. “A construção pode, dessa forma, tornar-se um vetor ativo nas metas nacionais e globais de redução de carbono, em vez de ser apenas uma área passiva sujeita às mudanças”, pontua.